quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Poder Público e as OSCIP

Relações entre Poder Público e OSCIPs 20/08/07 Valéria Trezza* A parceria entre o Poder Público e as ONGs é uma tendência, não só no Brasil, mas em diversos países, e deve aumentar cada vez mais. De um lado, o Estado precisa da colaboração das organizações do Terceiro Setor para a produção de bens e serviços e para a implementação de políticas públicas e, de outro, as organizações sem fins lucrativos precisam do Estado como mais uma fonte de recursos. Tal situação, somada ao aumento do número de organizações sem fins lucrativos nas duas últimas décadas no Brasil, tem suscitado constantes discussões a respeito dos instrumentos jurídicos disponíveis para oficializar essas parcerias. Até 1999, o principal instrumento utilizado pelo Poder Público para repassar recursos para as organizações sem fins lucrativos era o convênio. Apesar de ser largamente utilizado, o convênio não é considerado o meio mais adequado, por apresentar várias restrições às organizações parceiras e ao próprio Poder Público, não dando conta de suas necessidades em matéria de flexibilidade, rapidez, autonomia e controle de resultados. Em 1999, o setor sem fins lucrativos brasileiro ganhou uma nova lei, considerada por muitos como o novo Marco Legal do Terceiro Setor. A Lei nº 9.790, conhecida também como Lei das OSCIPs, foi recebida com bastante entusiasmo por uma expressiva parcela de profissionais e atuantes do Terceiro Setor, que recebeu a nova legislação como um importante passo em direção ao reconhecimento, por parte do Poder Público, do papel fundamental que as organizações da sociedade civil desempenham. Dentre as novidades da lei, está uma nova forma de relacionamento com o Poder Público: o Termo de Parceria. O novo instrumento de parceria foi criado com base em princípios como transparência, ética, compromisso com a boa utilização dos recursos públicos e qualidade dos serviços prestados. Ele foi desenhado para proporcionar vantagens em relação ao tradicional convênio, como maior flexibilidade na aplicação dos recursos, mecanismos de avaliação de resultados (focados no desempenho e não apenas na forma de aplicação dos recursos e comprovação dos gastos), regras mais claras e bem definidas de prestação de contas e responsabilizaçã o em caso de uso indevido dos recursos. Passados mais de oito anos da criação da lei, a prática parece indicar, no entanto, que o Termo de Parceria ainda não foi incorporado como um melhor instrumento de cooperação entre o Poder Público e as organizações sem fins lucrativos qualificadas como OSCIPs. Pelo lado do Poder Público, nota-se, ainda, resistência na utilização do Termo de Parceria, e mesmo quando ele é utilizado, nem todas as suas regras são seguidas, deixando-se de aproveitar várias de suas vantagens. Pelo lado das organizações, há muita dificuldade em acessar os órgãos públicos em busca de recursos e pouca capacidade de negociação para instar o uso do Termo de Parceria. A fim de encontrar mais informações que pudessem comprovar se de fato essa situação ocorre, foi realizada a pesquisa O Termo de Parceria como Instrumento de Relação Público/Privado Sem Fins Lucrativos. Este trabalho partiu de um extenso levantamento nacional dos Termos firmados desde a criação da lei em 1999 até o início de 2007, procurando detalhes sobre eles e investigando a forma como o Poder Público tem utilizado o novo instrumento. Com base nos dados que colhemos, encontramos, de fato, dois desafios que ainda precisam ser superados. O primeiro diz respeito à utilização do Termo de Parceria. Ainda é muito comum o uso do convênio para oficializar as parcerias com as OSCIPs, apesar dessas organizações contarem com um instrumento específico e potencialmente melhor para isso. Os motivos disto ocorrer vêm da insegurança em lidar com a nova legislação, a falta de domínio sobre as regras do Termo de Parceria e a ausência de capacitação dos gestores públicos. Ainda assim, há um crescimento, mesmo que discreto, do número de Termos firmados ao longo dos anos. Na pesquisa, foram identificados 266 Termos de Parceria firmados com 189 OSCIPs. Dos 140 instrumentos que apresentam a informação sobre o ano de celebração, não há nenhum em 1999, ano de criação da lei, e em 2000. Isso provavelmente tem relação com o baixo número de organizações qualificadas nesses anos e com a insegurança em utilizar um novo instrumento. O fato de mais da metade dos Termos da amostra (61%) ter sido firmada entre 2005 e 2007 reforça a hipótese de que se está adquirindo mais familiaridade com esse mecanismo, o que leva a sua maior utilização. Chama a atenção, no entanto, o fato da maioria das OSCIPs ter firmado apenas um Termo, o que parece indicar relações pontuais entre elas e o Poder Público. Por outro lado, as organizações que firmaram dois ou mais Termos parecem conseguir manter o vínculo com o órgão financiador: das 31 OSCIPs que firmaram mais de uma parceria e das quais foi possível identificar com quais órgãos, quinze têm dois ou mais Termos de Parceria com o mesmo órgão, sendo que onze delas exclusivamente com ele. Tal situação está ocorrendo, provavelmente, pelo fato de não ser muito freqüente a realização de concursos de projetos para a seleção da OSCIP parceria, o que proporciona mais facilidade de acesso àquelas que já possuem algum vínculo com o órgão repassador de recursos. Outro indicativo disso é o dado que mostra que 41 OSCIPs da amostra firmaram o primeiro Termo no ano em que se qualificaram ou no seguinte, o que pode sugerir um contato anterior com o órgão público parceiro e a busca pela qualificação já com a expectativa ou promessa da parceria. Esses números contrastam com o depoimento de várias organizações que nos relataram terem feito diversas tentativas de firmar Termo de Parceria com órgãos públicos sem sucesso. Por outro lado, um dado positivo é o do objeto das parcerias. Quase metade dos 132 Termos dos quais dispomos dessa informação foi firmada para execução de projetos em áreas emergentes, como meio ambiente, microcrédito, inclusão digital, desenvolvimento de tecnologias sociais e direito de minorias, principalmente portadores de deficiências. De fato, um dos objetivos da Lei das OSCIPs foi exatamente o de valorizar as organizações que atuam em novas áreas. Vale assinalar, também, que se tratam de áreas normalmente negligenciadas pelo Poder Público e para as quais as organizações do Terceiro Setor parecem ter maior expertise. O segundo desafio que encontramos diz respeito à forma como o Termo de Parceria tem sido utilizado. Muitos órgãos públicos, mesmo quando optam pelo novo instrumento, têm dado a este o mesmo tratamento conferido aos convênios, chegando ao cúmulo de aplicar ao Termo as leis que regem o antigo instrumento. Ou seja, muitas vezes, o Termo de Parceria é, na verdade, um convênio com apenas algumas características do mecanismo instituído pela nova lei. O resultado disso é o desvirtuamento do Termo de Parceria e o não aproveitamento de suas vantagens. Os mesmos motivos apontados anteriormente se aplicam neste caso, somados aqui com a estrutura de funcionamento dos órgãos, que muitas vezes não possibilitam a implementação de algumas exigências da Lei das OSCIPs. Um exemplo é a consulta aos Conselhos de Políticas Públicas antes da celebração da parceria, que foi pensada para ser um mecanismo diferenciado de controle social, uma vez que tais conselhos são compostos tanto por representantes do Poder Público, quanto por membros eleitos pela sociedade. Muitos órgãos têm cumprido esse requisito apenas formalmente, colhendo as assinaturas dos conselheiros, sem que haja uma discussão sobre a pertinência e adequação da parceria com as diretrizes do órgão e as políticas públicas da área. Outros benefícios e mecanismos que não estão sendo bem aproveitados por vários órgãos são a permissão de remuneração de pessoal e a aquisição de bens com os recursos do Termo de Parceria, e a realização de concurso de projetos para a seleção da OSCIP parceira. Em tempos de "CPI das ONGs" e escândalos envolvendo repasse de recursos públicos para organizações sem fins lucrativos, é de suma importância abrir o debate e pensar sobre o(s) modelo(s) de parceria que temos e sobre o que queremos. Após oito anos da promulgação da Lei das OSCIPs e da criação do Termo de Parceria, talvez já tenhamos tido tempo suficiente para testar o novo instrumento e sejamos capazes de avaliar o que funcionou e o que ainda precisa ser aperfeiçoado. O certo é que interessa a ambos, Estado e Terceiro Setor, que as parcerias existam e dêem certo. Fica, então, o desafio de continuarmos a buscar formas bem sucedidas de oficializar essas relações, baseadas em processos objetivos e imparciais de celebração, que reconheçam as especificidades das organizações sem fins lucrativos e que possuam mecanismos efetivos de controle. No entanto, como se percebe, a questão da relação entre Poder Público/organizaçõ es sem fins lucrativos e os instrumentos que a oficializam está longe de ser apenas uma questão de criação de leis. Ela passa pela estrutura de funcionamento e cultura de ambos os setores, e até por questões políticas. Deste modo, é fundamental que se estabeleça o diálogo. *Valéria Trezza é advogada especialista em Terceiro Setor e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV/EAESP.

Sustentabilidade e o 3setor

Para ser sustentável, terceiro setor deixou de ser filantropia Por Julia Dietrich, do Aprendiz 53% das instituições do terceiro setor buscam como ponto central a sustentabilidade. Para isso, 67% delas oferecem serviços de consultoria, 39% recebem lucro de conferências prestadas e 39% de serviços. Os dados são do Instituto William Davidson (WDI), da Universidade de Michigan, que, diante do trabalho de 10 anos com cerca de 350 organizações não-governamentais (ONGs) de todo o globo, criou um banco de dados acessível a todos os interessados e que possibilita, além de uma troca de experiências e iniciativas, indicadores sobre o setor. "Nos últimos 15 anos observamos uma mudança drástica no terceiro setor que cada vez mais se afasta da filantropia. Hoje, por exemplo, as fundações como a Rockfeller não têm tanto sentido. Elas mudaram de caráter e não buscam doações em si e sim formas para sustentar experiências empresariais" , contou o diretor do WDI, Robert Kennedy, durante a Conferência Internacional Inovação para o Terceiro Setor, que acontece em São Paulo. A gerente de pesquisas do WDI, Kelly Janiga, que também estava presente no evento, concordou e apontou que a parceria e disseminação do conhecimento são elementos essenciais para que o terceiro setor alcance a sustentabilidade. "Com a troca de experiências é possível pensar e criar maneiras inovadoras de administrar as instituições", disse. Uma dessas ligações, levantada por Kennedy, é a ponte de ONGs com os governos, que facilita a troca entre o terceiro setor e as empresas privadas. "Os problemas nas comunidades que necessitam de ajuda não são pontuais e precisam de intervenções interligadas. Portanto, os projetos também precisam ser interligados e responder a mais de uma questão", observou. Kennedy insistiu também que para inovar nas políticas do terceiro setor é fundamental pensar em novas estruturas, modelos e métodos para mobilização de capital. "É possível até pensar na lógica capitalista, como venda de ações e investimentos na bolsa", observou. Encontrar essa sustentabilidade é essencial para que no futuro o terceiro setor continue sendo um ator importante. "Em 2000, a população era de seis bilhões de habitantes. Em 2050, a previsão é de que o planeta totalize nove bilhões. Apesar do aumento, a população economicamente inserida continuará sendo de um bilhão de indivíduos, como é hoje. Logo, as organizações do terceiro setor, os governos, as empresas e a sociedade têm que se organizar de forma premente para receber esse aumento de demanda e lutar por justiça social", disse o superintendente do Instituto de Gestão Social (Gesc), João Paulo Altenfelder. Entretanto, os pesquisadores não apontam toda essa inter-relação como inocente. "Para o governo são menos problemas a serem resolvidos, para as ONGs uma oportunidade de financiamento e para as empresas a capacitação de um mercado que será consumidor e a garantia do ambiente para que ela possa crescer e vender mais", concluiu Kennedy. (Envolverde/ Aprendiz)

3setor e Planejamento Empresarial

21/08/2007 - 12h08Terceiro setor deve seguir planejamento empresarial Por Julia Dietrich, do Aprendiz Organizar os resultados, compilar as informações gerenciais, manter a contabilidade transparente e em dia, além de viabilizar indicadores de performance. Para o presidente da Brasilprev, empresa de previdência complementar, Eduardo Bom Angelo, essas são práticas fundamentais para que o terceiro setor sistematize suas ações e rume para a sustentabilidade. "Ao seguir o modo de funcionamento de uma empresa, com especial atenção à gestão e ao planejamento, as organizações não-governamentais (ONGs) certamente podem garantir independência da filantropia" , disse Angelo durante a Conferência Internacional Inovação para o Terceiro Setor, que aconteceu em São Paulo. O presidente da BrasilPrev explicou que o modelo de gestão de uma instituição do terceiro setor deve contemplar: gestão de talentos, desenvolvendo e treinando profissionais, geração de valor e gestão de resultados. "É fundamental que as ONGs sistematizem seus resultados e mantenham em ordem a contabilidade" , disse. Nesse sentido, uma preocupação das instituições deve ser materializar exatamente o que foi proposto. Segundo Angelo, não faz sentido, por exemplo, captar recursos para erradicar o analfabetismo de uma região e no lugar, organizar gincanas para crianças. Ao mesmo tempo em que a contabilidade é organizada e a prestação fica transparente, o terceiro setor deve guardar uma parcela dos recursos para investir em si mesmo. "Não dá para pensar em uma organização que funcione permanentemente no voluntariado. É preciso desenvolver e capacitar a equipe, oferecendo oportunidades reais de crescimento" , afirmou. TecnologiaO presidente da Microsoft no Brasil, Michel Levy, que também estava presente, acredita que, inserido à lógica dos modelos de gestão empresarial, o terceiro setor deve investir em novas tecnologias e se dedicar a ações comunitárias que trabalhem o tema. "A tecnologia, quando agregada à educação ou como instrumento educacional, é uma rica alavanca social", observou. Face ao que chama de uma exclusão social brutal, Levy apontou as tentativas da própria Microsoft no combate às desigualdades. "Nós temos como meta, até 2015, possibilitar a mais de um bilhão de pessoas o acesso à tecnologia. É uma obrigação empresarial garantir o avanço da população e a preservação do meio ambiente para as gerações futuras", disse. Para o diretor do William Davidson Institute, da Universidade de Michigan, Robert Kennedy, a ação da Microsoft faz todo o sentido e não beira a filantropia. "Não é porque a empresa é boazinha. Elas têm consciência de que é um potencial mercado a ser atingido. Quanto mais pessoas capacitadas, maior o poder de compra e menor a exclusão social. Todos ganham e, por isso, interessa também ao governo que sejam firmadas parcerias desse tipo", ponderou. Segundo o presidente da Brasilprev, é fundamental que o governo insista em parcerias com instituições de conhecimento e capacitação para a formação de lideranças comunitárias que dialoguem com as empresas, as ONGs e comunidades. "Elas são as pessoas mais indicadas para investigar e alavancar quais devem ser as causas defendidas pelas instituições de acordo com as especificidades locais", observou. Os temas discutidos na conferência internacional de Inovação para o Terceiro Setor, que encerrou as atividades no sábado (18) na cidade de São Paulo (SP), buscaram instruir as lideranças comunitárias, governamentais e empresarias na idéia de que é preciso reconhecer os instrumentos de gerência do capital para resolver os problemas de exclusão da população e a emergência da sustentabilidade do terceiro setor. (Envolverde/ Aprendiz)

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Perfil do Voluntário Empresarial

Riovoluntário lança pesquisa sobre perfil do voluntariado empresarial
02/08/2007 - As empresas parecem estar cada vez mais preocupadas com o desenvolvimento de bons programas de voluntariado corporativo, segundo mostra a pesquisa “Perfil do Voluntariado Empresarial no Brasil”, recém-lançada pela organização da sociedade civil Riovoluntário. Das 89 empresas (de todos os portes e setores, que atuam em território nacional, sendo 61% delas na região sudeste) que responderam ao questionário, 45% possuem programas de voluntariado institucionalizado, com planejamento e orçamento anuais.
A seriedade com que o voluntariado empresarial vem sendo encarado pelas empresas reflete-se num maior engajamento dos colaboradores nessas ações. Segundo o estudo, as empresas que apresentam níveis de mobilização de seus funcionários acima dos 10% têm programas institucionalizados. Mas para as empresas, o principal fator responsável por aumentar o grau de participação dos colaboradores no serviço voluntário é a presença do profissional comunicação interna comprometido com o programa (79%).
Outro fator que contribui para o incremento da participação dos colaboradores, na avaliação dos entrevistados é o engajamento da diretoria. Para 84% deles, a existência de uma diretoria participativa está fortemente vinculada ao sucesso de um programa de voluntariado empresarial. No entanto, somente 25% das empresas declararam que seus diretores participavam maciçamente das ações de voluntariado incentivadas pela empresa.
A fim de promover a participação dos colaboradores em ações voluntárias, as empresas: estimulam a atuação em programas sociais da própria empresa (73%); oferecem recursos para os projetos em que os voluntários atuam (63%); apóiam a formação de grupos de voluntários (63%); divulgam oportunidades de serviços voluntários (61%); e premiam e/ou divulgam a atuação de voluntários em eventos e publicações (54%).
44% das empresas respondentes disseram que preferem planejar as ações de voluntariado durante o horário de trabalho, e realizá-las fora desse horário. Apesar desse dado, o estudo revela que 43% das empresas pesquisadas dispensam funcionários durante o expediente para a realização de serviço voluntário. O levantamento ainda indica que 18% das empresas valorizam a experiência em serviço voluntário na hora de contratar novos funcionários.
Independente do grau de institucionalização dos programas, as campanhas de doação são as que mobilizam um maior número de pessoas (71%), bem como as ações pontuais (51%). As ações continuadas, nas quais o voluntário pode desenvolver todas as suas potencialidades e experimentar o trabalho em equipe, com recursos escassos, mobilizam apenas 36% dos colaboradores. Isso, de acordo com a pesquisa, mostra que o voluntariado social não é uma cultura consolidada na sociedade brasileira.
O que mais motiva as empresas a desenvolverem programas de voluntariado é o desejo de atender as necessidades sociais das comunidades que estão em seu entorno (38%) e de fortalecer o relacionamento com essas comunidades (27%). Como era de se esperar, a maioria dos programas incentiva ações de voluntariado voltadas para a área da educação (72%), com público-alvo prioritário em crianças e adolescentes (79%). Mas surpreendentemente, ações voltadas para o meio ambiente têm grande atenção das empresas (54%), aparecendo à frente de áreas como saúde, esporte, lazer, assistência social e cultura. E ações voltadas para idosos aparecem em segundo lugar no ranking dos públicos-alvos prioritários, à frente do atendimento à família e adultos em geral. As atividades administrativas, nas quais o voluntariado empresarial poderia contribuir muito, aparecem como a última opção de ação voluntária a ser incentivada pelas empresas, com apenas 19% das citações.
Embora 28% da amostra não tenham um orçamento anual pré-fixado para ações de voluntariado, 19% das empresas investem mais de R$ 200 mil anuais nessas ações. 49% das empresas analisadas possuem uma equipe com duas ou mais pessoas dedicadas à promoção do voluntariado. 18% das empresas afirmaram contabilizar as horas dedicadas fora do horário de trabalho como investimento social da empresa. Mas apenas 43% delas afirmam possuir indicadores de avaliação do voluntariado.
Além de trazer dados quantitativos, a pesquisa apresenta textos de Joana Garcia, Fernando Rossetti, Paulo Haus Martins e Paulo Itacarambi sobre voluntariado empresarial e 29 casos desenvolvidos no Brasil.
Clique aqui para ler a íntegra da pesquisa.
Conteúdo relacionado
2002: Relatório sobre Doação e Voluntariado no Vale do Silício
Voluntariado Empresarial como ferramenta de gestão de pessoas
Voluntariado mobiliza 23% dos cidadãos brasileiros; 65% das empresas dizem apoiar o voluntariado de seus funcionários

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Qualificação Como OSCIP e o Título de Utilidade Pública

A IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO SIMULTÂNEA DA QUALIFICAÇÃO COMO ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP) E DO TÍTULO DE UTILIDADE PÚBLICA FEDERAL
Damião Alves de Azevedo-Coordenador de Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça Mestrando em Direito, área de concentração em Estado e Constituição, pela Universidade de Brasília (UnB)
Pesquisador do grupo de estudos Sociedade, Tempo e Direito, da Faculdade de Direito da UnB
1 A dúvida quanto à aplicação do artigo 18 da Lei 9.790/99 – 2
A adequada interpretação da norma – 3 Qualificações estaduais
e municipais – 4 As conseqüências de uma inadequada
interpretação literal – 5 Conclusão

1 A dúvida quanto à aplicação do artigo 18 da Lei 9.790/99
Não obstante a Lei 9.790/99 que criou as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s) já tenha mais de cinco anos de vigência, ela ainda suscitaalgumas dúvidas em sua aplicação. Uma destas dúvidas se levantou recentemente em razão de se ter expirado o prazo, estabelecido por seu art. 18, para a manutenção simultânea demúltiplas qualificações legais às organizações privadas qualificadas como OSCIP’s.
O prazo estabelecido originalmente fora de dois anos a partir da promulgação da lei.
Conforme dados do Ministério da Justiça, ao findar este prazo apenas 21 organizaçõesqualificadas como OSCIP’s possuíam também o título de utilidade pública federal. Todavia, atendendo-se ao apelo de algumas entidades, o prazo foi estendido por medida provisória para cinco anos.
Mesmo com a prorrogação o número de OSCIP’s que possuíam outras qualificaçõescontinuou não sendo expressivo. Também conforme os cadastros do Ministério da Justiça, em março de 2004, quando expirou a prorrogação, das cerca de 1.818 OSCIP’s existentes, e das cerca de 10 mil possuidoras do título de utilidade pública federal, apenas 107 possuíam ambas qualificações.
Vencido o prazo, 45 delas optaram pela manutenção do título de utilidade públicafederal, 35 não manifestaram ao Ministério da Justiça sua opção, o que ensejou a perda daqualificação como OSCIP, e apenas 27 optaram por manter a qualificação com base na Lei9.790/99.
A dúvida que se tem levantado diz respeito à redação do art. 18 da Lei 9.790/99,especialmente seu parágrafo primeiro, que fixou o prazo para que as OSCIP’s optassem pela manutenção ou cancelamento desta qualificação. Alega-se que a norma contida naquele parágrafo só aplicar-se-ia às organizações que já possuíam outras qualificações antes de verem reconhecida sua qualificação como OSCIP, e não àquelas que somente vieram a obter outras qualificações após já terem se qualificado como OSCIP.

2 A adequada interpretação da norma
Dispõe o art. 18 da Lei 9.790/99, com redação determinada pela Medida Provisória2.216-37, de 31/08/01:

Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas combase em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações daSociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos aos requisitos para tantoexigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, atécinco anos contados da data de vigência desta Lei.
§ 1o Findo o prazo de cinco anos, a pessoa jurídica interessada em manter a
qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúnciaautomática de suas qualificações anteriores.
§ 2.º Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídicaperderá automaticamente a qualificação obtida nos termos desta lei.

A interpretação do dispositivo acima, como de resto qualquer interpretação de texto,deve ser sistemática, isto é, deve levar em conta o contexto em que está inserida para sedescobrir, pela letra do texto, o conteúdo normativo da lei. É preciso distinguir entre ossignificados de texto e norma. O texto é a letra da lei. A norma é a disposição imperativaextraída do processo de interpretação/aplicação do direito. A lei existe em abstrato. Já a
norma só pode ser obtida no momento em que se revela o dilema de sua aplicação, ao sepretender fixar, perante o caso concreto, qual é a conduta conforme o direito.
Iniciemos a discussão pela contradição mais óbvia. Aqueles que afirmam que oparágrafo primeiro do art. 18 não se aplica àquelas organizações que não tinham“qualificações anteriores” no momento em que se qualificaram como OSCIP’s acreditam estar fazendo uma interpretação literal da lei. De acordo com seu argumento a palavra “anteriores”, utilizada no parágrafo primeiro, criaria duas situações distintas, e, conseqüentemente, direitos distintos. A primeira situação seria aquela das organizações que, ao momento de sua qualificação nos termos da Lei 9.790/99, já possuíam qualificações estabelecidas em outros diplomas legais. A segunda seria aquela das que, ao obterem a qualificação disciplinada na Lei 9.790/99, não possuíam qualificações baseadas em outras leis.
Contudo, esta sequer é uma aplicação perfeita do princípio da literalidade. Oargumento dirige seu foco única e exclusivamente sobre a expressão “anteriores”,esquecendo-se de utilizar o mesmo critério da literalidade em outros trechos do texto.
Veja-se que o artigo trata, literalmente, de qualificações obtidas com base em outrasleis. Logo, se fosse suficiente fazer uma interpretação literal do artigo, como a que aquelesque defendem o argumento acima acreditam estar fazendo, não se poderia, por exemplo,jamais incluir dentre as hipóteses de incidência do art. 18 o título de utilidade pública federal, pois a Lei 91/35 estabelece não uma “qualificação”, mas um título.
Não se trata de uma distinção meramente semântica. O título de utilidade pública nãodecorre de uma natureza especial da pessoa que o detém, não expressando pois uma qualidade intrínseca àquela pessoa jurídica. O título de utilidade pública decorre de ações relevantes prestadas à sociedade por uma organização particular. Já a definição de OSCIP, como estabelece literalmente a lei, é uma qualidade peculiar de certas pessoas jurídicas. Qualidade esta verificável em seus atos constitutivos, independentemente de qualquer ação que ela tenha realizado.
Literalmente, o objetivo da Lei 91/35 é estabelecer uma láurea de dignidade, umahonraria, destinada às pessoas jurídicas privadas sem fins lucrativos. Honraria em tudosemelhante às distinções concedidas a pessoas físicas através de medalhas, por exemplo. Otítulo de utilidade pública não é uma qualidade essencial da pessoa jurídica, como a
estabelecida pela Lei 9.790/99. Pelo contrário, a concessão do título é um ato pelo qual aAdministração apenas reconhece publicamente a relevância das ações promovidas por umaorganização privada. O título não diz da qualidade da pessoa, mas sim da relevância deserviços prestados no passado. Tanto é assim que para a concessão do título não basta que a
associação ou fundação se revista de um certo formato, como nas OSCIP’s. É preciso que ela prove que, por pelo menos três anos, esteve dedicada a “servir desinteressadamente àcoletividade” (art. 1.º da Lei 91/35, c/c o art. 2.º, e, do Decreto 50.517/61). E a concessão do título não altera e nem reconhece uma qualidade à sua detentora. O título visa unicamente reconhecer o caráter público não da pessoa, mas das atividades por ela desempenhadas. Prova disto é que para continuar a ostentar o título ela precisa, todos os anos, provar ao Ministério da Justiça que continua a servir desinteressadamente à coletividade. O simples fato de não se apresentar por um ano seu relatório de atividades já pode justificar a cassação do título (art. 4.º da Lei 91/35). E no caso de três anos em atraso o parágrafo único do art. 4. º da Lei 91/35, bem como o art. 6.º, a, do Decreto 50.517/61, determinam a cassação do título sem deixar, literalmente, qualquer opção ao administrador público. Raciocínio similar também pode ser construído sobre o Certificado de Entidade de Assistência Social (Decreto 2.536/98).
Completamente diferente é a qualificação como OSCIP, na qual o Estado apenas atestauma condição a partir da análise dos estatutos da organização. Logo, atesta uma condição preexistente ao ato administrativo que a reconhece publicamente. Isto fica evidente pelo fato de uma associação ou fundação que acaba de registrar seus atos constitutivos no cartório competente, recém nascida para o direito, pode imediatamente solicitar que a Administração reconheça sua qualidade de OSCIP, sem que ela jamais tenha desempenhado qualquer ação relevante e nem mesmo ter sequer dado cumprimento a uma só linha de suas finalidades estatutárias. E mesmo assim só perderá tal qualificação em processo judicial ou administrativo, de iniciativa popular ou do Ministério Público (art. 7.º da Lei 9.790/99).
A distinção é literal, está expressa nos textos das leis mencionadas. A Lei 9.790/99não confere uma láurea de dignidade por reconhecimento a serviços prestados. Ela criainequivocamente um critério para se identificar uma qualidade especial a certas pessoasjurídicas. Ela dispõe expressamente sobre quais são aquelas que não têm esta qualidade (art. 2.º) e também sobre as cláusulas específicas que devem constar em seus estatutos para que fique caracterizada a qualificação (art. 4.º). No caso das OSCIP’s o Estado reconhece, como dispõe literalmente a lei, uma “qualificação”, uma qualidade que é típica a um certo tipo de organizações e que as distingue de outras pessoas jurídicas de mesma natureza.
No caso do título de utilidade pública o Estado não se manifesta sobre uma qualidadeinerente aos atos constitutivos da organização, distinguindo-as de outras associações efundações. Ao conceder o título apenas se confere reconhecimento público a atividades nobres, ou socialmente relevantes, que aquela pessoa jurídica desempenha no seu cotidiano. É uma recompensa meritória por atos de relevância pública já praticados. Recompensa esta que deixa de existir tão logo interrompidas tais atividades. Ao contrário da qualificação como OSCIP, que é um adjetivo que adere à natureza da entidade e que decorre não das ações realizadas no passado, mas dos próprios atos constitutivos da associação ou fundação.
Não obstante, os mesmos que defendem a aplicação literal da expressão “anteriores”afirmam que o art. 18, ao tratar de “qualificações” se refere ao título de utilidade públicafederal. Ora, para aplicar a literalidade no que concerne à expressão “anteriores”, dever-se-ia aplicá-la ao texto integral. Porém, se tentássemos aplicar a mesma interpretação literal ao
conjunto do texto, a expressão “qualificações” não poderia jamais se referir ao título deutilidade pública federal.
Uma das primeiras regras de hermenêutica é que não se podem aplicar, simultaneamente, diferentes códigos de tradução e diferentes regras de interpretação, preferindo ora umas, ora outras, conforme a conveniência do intérprete. Aplicar a literalidade a apenas um trecho da lei, não o fazendo quanto aos demais, mais que uma aplicação parcial, é uma aplicação falsa do princípio. Uma aplicação gradual de diversos princípios a um mesmo
caso exige uma ponderação concreta dos valores do intérprete, condenando o resultado dainterpretação a sempre depender de suas preferências axiológicas arbitrárias.
Uma interpretação/aplicação integralmente literal do artigo nos faria chegar à absurdanegativa de vigência da norma, pois, sem recorrermos ao contexto jurídico no qual ela seinsere, jamais poderíamos afirmar que tal artigo obriga a uma opção entre a qualificação como OSCIP e o título de utilidade pública. E se não obrigasse a esta opção, ele restaria totalmente inútil, permitindo com que as diversas organizações do terceiro setor qualificadas como OSCIP continuassem com os múltiplos enquadramentos legais que lhes eram permitidos antes de buscarem a qualificação com base na Lei 9.790/99. E a esta conclusão, certamente, sabe-se que não se pode chegar. Por isso afasta-se casuisticamente a literalidade ao tratar da definição legal de “qualificações”.
Os mesmos que tentam interpretar literalmente o adjetivo “anteriores”, contido nocitado parágrafo único, também percebem que a norma decorrente do artigo 18 se dirigeclaramente a diplomas legais como aquele que dispõe sobre o título de utilidade pública, não obstante este diploma não trate literalmente de uma qualificação. Neste caso, ao invés da literalidade, fazem uma interpretação sistemática e contextualizada, buscando um conteúdo normativo que só pode ser deduzido do contexto jurídico no qual a Lei 9.790/99 está inserida e para o qual foi elaborada. Este casuísmo, evidentemente, compromete a lógica da legislação.
É preciso ter em perspectiva que qualquer interpretação, mesmo a que se pretendeliteral, só é possível a partir de uma atribuição de significado, somente apreensível mediante um processo de contextualização. Como afirma Habermas: “Todas as normas vigentes são naturalmente indeterminadas, inclusive aquelas cujo componente ‘se’ explicita a tal ponto as condições de aplicação, que elas somente podem encontrar aplicação em poucas situações típicas padronizadas e muito bem descritas (e podem encontrar aplicação sem dificuldades hermenêuticas).[....] Todas as demais normas continuam indeterminadas com relação à sua situação, necessitando de interligações suplementares no caso concreto – e isso vale não somente para os direitos fundamentais e princípios do Estado de direito, à luz dos quais o sistema jurídico pode ser justificado em sua totalidade.”1 (Grifo nosso, itálicos no original).
Isso se comprova pelo fato de que não é preciso um esforço digno de um Hércules deDworkin para perceber que o artigo 18 da Lei 9.790/99 contém um imperativo que só pode ser extraído levando-se em conta os diplomas legais acerca das organizações do setor público não estatal, isto é, considerando-se as normas dirigidas às organizações típicas do chamado Terceiro Setor. Além do título de utilidade pública citado pela requerente, poderíamos lembrar outros diplomas legais, tais como a lei sobre Organizações Sociais, n.º 9.637/98, a lei sobre as fundações de apoio às instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica, n.º 8.958/94, a Lei Orgânica da Assistência Social, Lei 8.742/93, e, em certos aspectos indiretos, até mesmo a lei sobre cooperativas sociais, n.º 9.867/99. E isso para ficar somente no âmbito da legislação federal, pois há incontáveis leis sobre títulos de utilidade pública estaduais e municipais, conselhos de assistência social estaduais e municipais.
3 Qualificações estaduais e municipais
Quanto às qualificações estaduais e municipais cabe uma observação à parte.
Entendemos que a opção do art. 18 da lei das OSCIP’s é dirigida apenas às qualificaçõesfederais porque a qualificação é norma de organização administrativa. As qualificações de
(1 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Volume I, Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1997, p. 269-270.)
organizações civis se prestam à disciplinar a relação entre o ente federativo que expediu anorma e as organizações da sociedade civil. A competência para legislar em matériaadministrativa é competência comum da União, estados e municípios. A competência paralegislar sobre organização administrativa não se encontra explícita no art. 23 da Constituição e em nenhum outro artigo porque decorre da autonomia federativa o poder de cada uma destas pessoas de direito público organizar a sua própria administração. Uma vez que o art. 18 da Constituição estabelece que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios são autônomos é forçoso concluir que esta autonomia pressupõe o poder de legislar acerca da sua própria organização administrativa.
A lei federal que estabelece qualificação a organizações civis em nada pode interferirnas qualificações concedidas pelos demais entes da federação. Basta lembrar que, dentre osmilhares de municípios brasileiros, muitos sequer têm uma lei que regule o título de utilidade pública municipal, sendo este concedido por ato da Câmara Municipal, freqüentemente por lei, tal como se dava com o título federal antes de 1935. Deste modo, a organização que possui um título municipal como este sequer pode optar em deixar de tê-lo, pois para cancelálo não basta um mero requerimento ou ato administrativo. É preciso lei municipal. E o município, é certo, não é obrigado a legislar, mesmo se entidade requeira o cancelamento do título. Portanto, as qualificações oferecidas a organizações civis pela União, estados e municípios atendem a necessidades de cada um destes entes federativos. Por serem expressão da autonomia administrativa elas existem paralelamente e não se sobrepõem.
Mas é preciso distinguir o que é norma de organização administrativa e outras normaspor ventura existentes na lei federal que não têm a mesma natureza. Na Lei 9.790/99, porexemplo, há duas matérias distintas: a) a qualificação como OSCIP; b) a instituição do Termo de Parceria. Não obstante sejam temas indissociáveis, na medida em que a constituição de um Termo de Parceria exige a qualificação como pressuposto, são matérias distintas. A qualificação, em si, é matéria que de organização administrativa da União. Já o Termo de Parceria estabelece uma forma de contratação facilitada com o Estado e, portanto, se insere no âmbito da competência do art. 22, XXVII, da Constituição, devendo ser observada não apenas pela União, mas por todos os demais membros da federação. Assim, não obstante os estados e municípios possam até mesmo criar qualificações semelhantes à da Lei 9.790/99, com critérios totalmente distintos, não podem criar disciplina para Termos de Parceria estaduais ou municipais que não observem o disposto na lei federal. Como a Constituição estabelece que compete privativamente à União legislar sobre “todas as modalidades” de contratação da Administração Pública, e como o Termo de Parceria é uma modalidade de contratação, toda a Administração Pública está obrigada a observar as normas da Lei 9.790/99 relativas ao Termo, embora a qualificação que a mesma lei criou seja um ato exclusivo da União.
Mas independente das disposições relativas ao Termo de Parceria, o disposto nosparágrafos do art. 18 não pode se estender às qualificações concedidas por outros membros da federação porque estas qualificações obedecem a leis estaduais e municipais que não sesubordinam às normas da qualificação federal.
Registre-se, por exemplo, a Lei Estadual de Minas Gerais, n.º 14.870, de 16/12/2003,que cria uma qualificação como OSCIP a ser feita pelo Poder Executivo Estadual. Esta leipraticamente reproduz a lei federal. Mesmo alguns dispositivos que explicitam a necessidade de fiscalização pelo Ministério Público e outras regras de controle (art. 9.º e seguintes) não podem ser considerados inovações, visto que o art. 7.º da lei federal também estabelece que o Ministério Público e os cidadãos podem representar administrativa ou judicialmente contra irregularidades nas OSCIP’s. Mas independente disso, o fato é que não há qualquer ilegalidade em que um Estado ou Município crie uma qualificação própria e mesmo traga certas disposições sobre o Termo de Parceria, desde que tais disposições não conflitem com as normas federais relativas ao Termo de Parceria.
Em suma: as normas relativas à uma qualificação feita por ato administrativo é decompetência do ente federativo que expede o ato. Portanto o art. 18 da Lei 9.790/99 não pode restringir a autonomia dos outros entes da federação de expedir seus próprios atos administrativos relativos à qualificação, que é mero reconhecimento público de uma
organização privada. Por exemplo, se uma certa lei estadual deseja reconhecer como deinteresse público somente organizações dedicadas à ecologia tal qual um título honorífico de utilidade pública do qual não decorrem benefícios, isso não prejudica ninguém. Nem a
sociedade, nem os demais entes federados. Significa apenas que naquele Estado o PoderPúblico reconhece uma relevância especial a esta atividade. Contudo, no que diz respeito àcontratação de entidades privadas, ele não pode desobedecer as normas federais. Isto é, elenão pode restringir um eventual termo de parceria estadual a uma ou algumas categorias de
entidades, pois estaria desobedecendo uma norma geral que permite a parceria com entidades que realizam o interesse público em diversas outras atividades.
O artigo 18 da Lei 9.790/99 só faz sentido levando-se em conta todas aquelaspossibilidades de enquadramento das organizações da sociedade civil oferecidas por outrasleis federais. E dificilmente seria possível uma uniformidade de tratamento destes incontáveis enquadramentos. Por exemplo, lei sobre as Organizações Sociais dispõe em seu artigo segundo sobre qualificação, enquanto a Lei Orgânica da Assistência Social, em seu artigo 18, dispõe sobre certificação. Já a lei sobre fundações de apoio não exige qualquer ato administrativo para o enquadramento legal da fundação.
Portanto, o artigo 18 da Lei 9.790/99 só mantém a integridade e coerência doordenamento jurídico se, ao interpretá-lo, afastamos uma interpretação literal e partimos dopré-suposto que as organizações não governamentais podem se enquadrar em diferentesdiplomas legais. E, de acordo com cada possível enquadramento, cada uma destasorganizações terá um papel distinto na sociedade e um relacionamento distinto com o Estado.
A opção constante no artigo 18 se refere exatamente a esta realidade de múltiplosenquadramentos, que sempre foi a regra no tratamento dispensado pelo Estado àsorganizações públicas não estatais. A Lei 9.790/99 se apresenta como uma alternativa para o Terceiro Setor porque pretende dar clareza ao relacionamento entre as organizações da
sociedade civil e o Estado, tanto no que se refere aos seus papéis e obrigações recíprocas,como no que se refere à compreensão que a sociedade deve ter deste relacionamento e danatureza daquelas organizações. A disciplina legal sobre o Terceiro Setor, até os anos
noventa, dava prioridade às organizações caritativas e às de assistência social, deixando uma lacuna acerca dos novos movimentos sociais e acerca de outras causas públicas que passaram a mobilizar a sociedade civil, mas não se enquadravam precisamente no conceito de filantropia ou assistência social. Foi esta lacuna que a Lei 9.790/99 pretendeu colmatar,
criando-se uma disciplina que contemplasse os interesses e as demandas de novosmovimentos sociais e o novo perfil das organizações da sociedade civil.
4 As conseqüências de uma inadequada interpretação literal
Se não bastasse apontar este equívoco para demonstrar-se a inadequação de umainterpretação pretensiosamente literal, poderíamos também lembrar as conseqüências práticas absurdas que adviriam dela, caso fosse aplicada.
Se fosse admissível aquele argumento aqui refutado; segundo o qual o artigo 18 criaduas situações distintas, e conseqüentemente direitos distintos; estar-se-ia estabelecendo uma discriminação esdrúxula e sem fundamento entre as organizações da sociedade civil. Pois àquelas que obtiveram o título de utilidade pública antes de obter a qualificação como OSCIP seria proibido o duplo enquadramento. Já àquelas que, já sendo OSCIP’s, pleiteassem o título de utilidade pública, o duplo enquadramento seria permitido. Ora, a lei só pode estabelecer tratamento distinto baseado em razões justificáveis pelo interesse público, e não há neste caso qualquer razão plausível que justifique tal discriminação. Organizações idênticas estariam tendo um tratamento distinto sem qualquer razão de ordem pública que o legitimasse.
Organizações que atuaram durante anos, ou mesmo décadas (visto que há títulos de utilidade pública concedidos mesmo antes da Lei 91 de 1935!) ostentando o título de utilidade pública federal estariam proibidas de mantê-lo caso se qualificassem como OSCIP, enquanto outras, recém-criadas e que não deram cumprimento a uma só linha de seus estatutos, poderiam perfeitamente obtê-lo, pelo simples fato de não o terem tido antes.
É preciso, ainda, levar-se em conta certos aspectos procedimentais que tornam aindamais patentes a discriminação e injustiça que se produziriam. A Lei 9.790/99 prevê umprocedimento de qualificação célere. A Administração tem 30 dias para apreciar o pedido emais 15 dias para publicar a decisão, visto que se trata de conferência de poucos documentos.
Já o procedimento para obtenção do título de utilidade pública pode ser mais demorado, pois a documentação prescrita pelo Decreto 50.517/61 é bem mais extensa e sua análise requer a verificação de relatórios de atividades e demonstrativos contábeis dos três anos anteriores ao pedido. Ademais, como a legislação não fixa prazo específico para decisão, admite-se que, caso a documentação esteja incompleta, o processo seja baixado em diligência para que a requerente providencie documentos faltantes ou ofereça esclarecimentos quanto a pontos obscuros dos relatórios ou balanços.
A partir destes dados, imagine-se a seguinte hipótese. Uma entidade poderia, durante oprazo de convivência do duplo enquadramento, requerer sua declaração de utilidade pública e na semana seguinte requerer sua qualificação como OSCIP. Caso a documentação do primeiro pedido estivesse incompleta, o processo seria baixado em diligência. Levando-se em consideração que as notificações administrativas só produzem efeito na data de seurecebimento, não basta que o prazo de diligência seja exíguo. Deve-se a ele somar o trâmitenecessário para confecção e postagem do ofício de notificação, a data entre a postagem e oefetivo recebimento, e a data entre postagem da resposta e seu efetivo recebimento na
Administração. Assim, é perfeitamente possível que o pedido feito posteriormente, por ter um prazo legal determinado, seja decidido antes do pedido anterior, cujo procedimento permite várias diligências. Nesta hipótese a entidade só obteria o título de utilidade pública
posteriormente à qualificação como OSCIP unicamente porque não instruiu corretamente seu pedido. A vigorar a interpretação literal, a Administração teria que lhe conceder apossibilidade de manter tanto o título de utilidade pública quanto a qualificação como OSCIP.
Ela seria assim beneficiada por sua falta de diligência. Não se trata de uma hipóteseabstratamente elaborada, há pelo menos um caso assim nos cadastros do Ministério da Justiça.
Aplicando-se a interpretação literal, tal entidade seria beneficiada em detrimento de outrasque, por terem sido diligentes e instruído corretamente seus pedidos, obtiveram o título deutilidade pública com maior celeridade.
Além da discriminação injustificada, a literalidade acabaria por inutilizar o artigo 18da Lei 9.790/99. Se entendêssemos literalmente a expressão “anteriores”, concluiríamos que aquelas organizações já qualificadas como OSCIP estariam fora da abrangência do parágrafo único e, deste modo, poderiam solicitar o título de utilidade pública federal. Ora, a seguir-se este raciocínio bastaria a todas entidades detentoras do título de utilidade pública pedirem o cancelamento de seus títulos e solicitarem a qualificação como OSCIP. Uma vez publicada a qualificação, poderiam então solicitar o título de utilidade pública. Assim, o título não seria mais anterior, visto que concedido por um ato publicado posteriormente à data da qualificação como OSCIP. Não se poderia negar o título de utilidade pública a uma OSCIP que já o possuiu no passado, mas já não o possui mais. Mais uma vez, a literalidade acabaria por negar vigência ao artigo 18, tornando inútil a opção nele determinada, já que todos que a fizessem poderiam, após cancelado o título, requerê-lo novamente em data posterior.

5-Conclusão
O sentido do artigo 18 não foi fazer migrarem as entidades do regime de utilidadepública, ou do regime da assistência social, para o regime das OSCIP. Foi sim conferir clareza e uniformidade ao tratamento que o Estado dispensa às organizações não governamentais que atuam em prol do interesse público. A lei 9.790/99 não obriga as entidades enquadradas conforme outros diplomas a requerem a qualificação nela prevista. O que ela faz é inaugurar um novo modelo de relacionamento do Estado com as organizações da sociedade civil, tentando pôr fim àquelas práticas burocráticas de múltiplos enquadramentos legais.
Burocracia que onera as organizações civis, o Estado e, conseqüentemente, toda a sociedade.
Esta realidade de múltiplos enquadramentos também compromete a clara compreensão doTerceiro Setor por parte do conjunto da sociedade.
O art. 18 apenas trata da hipótese de que entidades enquadradas conforme os diplomaslegais anteriores pudessem, se isto fosse de seu interesse, fazer uma alteração paulatina deregime. O período de co-existência de enquadramentos permitiria a uma entidade que sempre atuou conforme um marco legal tradicional, dentro de um modelo assistencialista por exemplo, sopesar as implicações de uma mudança para o marco regulador recém criado.
O fato de a co-existência de múltiplos enquadramentos ocorrer por um períodonecessariamente transitório revela que o sentido da lei foi determinar que, findo aquele prazo, as organizações do Terceiro Setor pudessem definir com nitidez seu enquadramento legal perante o Estado e, especialmente, perante a sociedade.

domingo, 12 de agosto de 2007

Prepagação de Práticas Ambientais(Verde é a cor do dinheiro)

GreenwashingThiago Cássio D'Ávila Araújo (*)08/08/2007Greenwashing é um termo em língua inglesa usado quando uma empresa, organização não governamental (ONG), ou mesmo o próprio governo, propaga práticas ambientais positivas e, na verdade, possui atuação contrária aos interesses e bens ambientais. Trata-se do uso de idéias ambientais para construção de uma imagem pública positiva de "amigo do meio ambiente" que, porém, não é condizente com a real gestão, negativa e causadora de degradação ambiental.O greenwashing tem sido uma prática de gestão (nociva, diga-se de passagem) muito adotada por empresas ligadas a diversos ramos da atividade econômica (corporate greenwashing). Em brilhante artigo intitulado "Green is the colour of money" (www.goodmagazine.com), a jornalista norte-americana Amanda Witherell denuncia que empresas estão investindo dinheiro em iniciativas ambientais para encobrir ofensas do passado ao meio ambiente. Organizações não governamentais, mal intencionadas, praticam greenwashing para captação de recursos públicos ou privados, que posteriormente serão em boa parte desviados para aplicação em atividades ou empreendimentos causadores de degradação ambiental. Governos praticam greenwashing para seduzir cidadãos e determinar os rumos da economia. O greenwashing, diga-se de passagem, não se confunde com o greenmarketing. Greenwashing é termo pejorativo, e é nocivo ao meio ambiente.No turismo, o greenwashing tem sido usado como instrumento para iludir turistas. De fato, muitos escolhem destinos turísticos acreditando que estão participando de projetos respeitadores da natureza e dos valores culturais locais, quando, na verdade, estão apenas contribuindo para destruição do ambiente. Por exemplo, é muito comum vermos hotéis divulgados como meios de hospedagem ecológicos, por estarem inseridos em uma floresta, quando na verdade tais hotéis não têm um programa de hospedagem sustentável e contribuem para a degradação do ambiente. Há prática de greenwashing.Em alguns casos concretos, temos visto até mesmo desentendimentos, existentes entre secretarias municipais de Turismo, de um lado, e secretarias municipais do Meio Ambiente, de outro, que acabam por gerar a prática de greenwashing governamental, para prevalência da atividade econômica em detrimento da efetiva política de proteção ambiental. É um absurdo, mas é verdade: governos têm praticado greenwashing!Para combater essa praga que pretende macular os verdadeiros propósitos ambientalistas do desenvolvimento sustentável, na atividade turística é preciso que haja verdadeira compreensão, principalmente por cidadãos e órgãos fiscalizadores, do verdadeiro entendimento do que seja ecoturismo.O "ecoturismo" conhece várias outras denominações correlatas, tais como: turismo de natureza, turismo verde, turismo ecológico, turismo ambiental, turismo de aventura, turismo de selva, turismo antropológico, turismo étnico e turismo rural. Importante é identificar que o ecoturismo se insere no contexto maior do "turismo sustentável", uma idéia propagada a partir do conceito de "desenvolvimento sustentável" advindo do Relatório Brundtland de 1987.No ano de 2002, eleito pela ONU como "Ano Internacional do Ecoturismo", e também ano no qual se realizaria a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo (como prorrogação da ECO-92), foi expedida, no mês de maio, a "Declaração de Québec", após discussão de representantes de 132 países que formaram a Cúpula de Especialistas em Ecoturismo. A Declaração de Québec reconhece que o ecoturismo abraça os princípios do turismo sustentável, adere aos princípios de contribuição ativa para a conservação do patrimônio natural e cultural, inclui as comunidades locais e indígenas em seu planejamento, desenvolvimento e exploração, contribuindo para seu bem-estar, interpreta o patrimônio natural e cultural do destino para os visitantes, e melhor se presta a viajantes independentes ou circuitos organizados para grupos de tamanho reduzido. Assim é que o verdadeiro ecoturismo proporciona emprego e renda de forma sustentável à comunidade local.Para evitar maiores engodos, o Ministério do Turismo vem incentivando expedientes de certificação em ecoturismo. Aliás, a certificação de empreendimentos e pessoas inclusive está prevista no Plano Nacional de Turismo (2007-2010).Sou um entusiasta da economia de mercado e da apropriação econômica dosmais a mera maquiagem. Ecoturismo é turismo com ética, essa sim uma bandeira que, levantada por empresas, ONGs e governos, trará os verdadeiros benefícios, inclusive econômicos.O Planeta Terra, a economia mundial e o turismo internacional não aceitam bens ambientais como meio de crescimento. O importante, porém, éque tal crescimento se dê sob a ótica do desenvolvimento sustentável. Abriros olhos para os males causados pelo greenwashing é um passo importante paraconsagrarmos a adequada utilização dos recursos ambientais, inclusive noturismo.* É advogado, membro da Advocacia-Geral da União, consultor jurídico da Embratur em Brasília/DF e ex-procurador do INSS e do Incra. Autor dos livros "Direito Agrário" e "Direito Ambiental", ambos pela Editora Fortium.thiago-davila@uol.com.br

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Investimento social privado ajuda ou atrapalha a educação

13/02/2007O investimento social privado, ajuda ou atrapalha a educação?
Diante de sistemas educacionais pobres, mal geridos e pouco inspirados,os programas de responsabilidade social das empresas sopram como uma brisa fresca. Afinal de contas, as grandes empresas são as vencedoras em mercados brutalmente competitivos. Quando decidem usar sua indisputável competência para ajudar a educação, isso só pode ser uma boa notícia. Mais ainda, a magnitude do seu esforço na área social é impressionante. Portanto, devemos festejar a presença crescente do investimento social privado no mundo das escolas. Mas alto lá, o processo pode dar umas desafinadas. Será que os dois mundos sincronizam bem?
As fundações querem agradar e querem mostrar resultados. Investimento social, sem visibilidade, faz bem menos sentido e mobiliza orçamentos mais modestos. Não chega a ser um problema, pois não há uma antinomia essencial entre o que a educação precisa e o que traz visibilidade às empresas. O desafio possível é conseguir os dois ao mesmo tempo. Quais são as prioridades da educação brasileira? As respostas são convergentes, quando perguntarmos a quem acompanha de perto o tema. Todos concordam em que o grande desafio hoje é ensinar as habilidades básicas, tais como ler escrever e usar números. É justamente nesses testes que nossa educação mostra a sua cara horrenda, apresentando resultados que nos colocam na rabeira, até de países menos ricos do que o nosso. É o miolo da educação que está estragado. Diante dessa prioridade, os acabamentos e as lantejoulas empalidecem. Acontece que melhorar compreensão de leitura e escrita é sem charme, pouco visível e demorado. A própria escola reluta em enfrentar esse desafio, pois não traz reconhecimento nem aos professores nem à administração. Daí o perigo de transformar a escola em um lugar onde tudo acontece menos educação.E esse perigo pode ser agravado pela presença dos programas sociais das empresas. Ou seja, tanto a escola quanto os programas das empresas podem optar pela solução brilhosa e mais fácil: cuidar das lantejoulas e não do miolo duro da educação. Aí vêm o dia disso, o dia daquilo, as festas, as danças, as capoeiras, os computadores e uma infinidade de outras atividades que não são intrinsecamente erradas, mas que competem por atenção com o ensino curricular. Alguns observadores vêm chamando a atenção para alguns casos em que o ensino fica prejudicado pela abundância de atividades paralelas e infinitamente mais divertidas e visíveis.Um fator apontado pelos que estão próximos das escolas indica uma colisão de lógicas operacionais. As empresas chegam com suas prioridades e os programas que as encantam. Ou, contratam com ONGs a preparação de atividades charmosas. Mas quem disse que, naquele momento, é isso que as escolas querem fazer ou precisam fazer?"
O desafio possível é conseguir os dois ao mesmo tempo. Quais são as prioridades da educação brasileira? As respostas são convergentes, quando perguntarmos a quem acompanha de perto o tema. Todos concordam em queo grande desafio hoje é ensinar as habilidades básicas, tais como ler escrever e usar números. É justamente nesses testes que nossa educação mostra a sua cara horrenda, apresentando resultados que nos colocam na rabeira, até de países menos ricos do que o nosso. É o miolo da educação que está estragado. Diante dessa prioridade, os acabamentos e as lantejoulas empalidecem.
Acontece que melhorar compreensão de leitura e escrita é sem charme, pouco visível e demorado. A própria escola reluta em enfrentar esse desafio, pois não traz reconhecimento nem aos professores nem à administração. Daí o perigo de transformar a escola em um lugar onde tudo acontece menos educação.
E esse perigo pode ser agravado pela presença dos programas sociais das empresas. Ou seja, tanto a escola quanto os programas das empresas podem optar pela solução brilhosa e mais fácil: cuidar das lantejoulas e não do miolo duro da educação. Aí vêm o dia disso, o dia daquilo, as festas, as danças, as capoeiras, os computadores e uma infinidade de outras atividades que não são intrinsecamente erradas, mas que competem por atenção com o ensino curricular. Alguns observadores vêm chamando a atenção para alguns casos em que o ensino fica prejudicado pela abundância de atividades paralelas e infinitamente mais divertidas e visíveis.
Um fator apontado pelos que estão próximos das escolas indica uma colisão de lógicas operacionais. As empresas chegam com suas prioridades e os programas que as encantam. Ou, contratam com ONGs a preparação de atividades charmosas. Mas quem disse que, naquele momento, é isso que as escolas querem fazer ou precisam fazer?
Portanto, a lição é clara. O investimento social privado é mais do que bem-vindo, quando ajuda a educação. Mas quando desvia as atenções e os esforços ou está fora de sintonia com a escola, melhor seria se não existisse. Quando examinamos as fundações filantrópicas mais importantes, vemos muitos casos em que desenham seu programa para ajudar a escola nas suas tarefas mais nobres. Há programas lidando com os repetentes. Outros pescam os pobres talentosos, oferecendo a eles escolas de primeira grandeza. Há programas de gerenciamento de escolas municipais. Alguns operam escolas de excelente qualidade. Há programas levando educação de qualidade a quem não poderia tê-la. E muitos outros, dentro das organizações que compõe o Gife, por exemplo. Mas infelizmente, nem tudo vai à direção certa. Há muito patrocínio para atividades que desviam a atenção da escola. Por razões óbvias, não caberia aqui nomear programas equivocados. Mas a pergunta é simples: o trabalho da responsabilidade social está contribuindo para melhorar a qualidade da educação? Ou está criando atividades paralelas divertidas, agradáveis, mas que competem com a busca quase inglória da qualidade? Está andando na mesma direção, mas com o passo errado, tropeçando com o que tenta fazer a escola?Naturalmente, é preciso matizar um pouco a discussão. Uma escola árida, chata, feia e sem a alternância de atividades divertidas e variadas tampouco leva a uma educação. de qualidade. Portanto, não se trata aqui de ser contra festas, artes, esportes e a miríade de outras atividades que divertem, seduzem e tornam a escola atraente. Em eixos diferentes, tais atividades também educam. E tampouco podemos ignorar o argumento de que as escolas públicas atendem a clientelas muito carentes em tais atividades."Portanto, a lição é clara. O investimento social privado é mais do que bem-vindo, quando ajuda a educação. Mas quando desvia as atenções e os esforços ou está fora de sintonia com a escola, melhor seria se não existisse. Quando examinamos as fundações filantrópicas mais importantes, vemos muitos casos em que desenham seu programa para ajudar a escola nas suas tarefas mais nobres. Há programas lidando com os repetentes. Outros pescam os pobres talentosos, oferecendo a eles escolas de primeira grandeza. Há programas de gerenciamento de escolas municipais. Alguns operam escolas de excelente qualidade. Há programas levando educação de qualidade a quem não poderia tê-la. E muitos outros, dentro das organizações que compõe o Gife, por exemplo.
Mas infelizmente, nem tudo vai à direção certa. Há muito patrocínio para atividades que desviam a atenção da escola. Por razões óbvias, não caberia aqui nomear programas equivocados. Mas a pergunta é simples: o trabalho da responsabilidade social está contribuindo para melhorar a qualidade da educação? Ou está criando atividades paralelas divertidas, agradáveis, mas que competem com a busca quase inglória da qualidade? Está andando na mesma direção, mas com o passo errado, tropeçando com o que tenta fazer a escola?
Naturalmente, é preciso matizar um pouco a discussão. Uma escola árida, chata, feia e sem a alternância de atividades divertidas e variadas tampouco leva a uma educação. de qualidade. Portanto, não se trata aqui de ser contra festas, artes, esportes e a miríade de outras atividades que divertem, seduzem e tornam a escola atraente. Em eixos diferentes, tais atividades também educam. E tampouco podemos ignorar o argumento de que as escolas públicas atendem a clientelas muito carentes em tais atividades.
É tudo uma questão de equilíbrio. Tais alternâncias devem estar presentes e os programas patrocinados pelas empresas são bem-vindos quando as promovem. Mas nota-se um desequilíbrio, sobretudo nos grandes centros, onde estão muitos dos escritórios das empresas.Há escolas onde o divertimento promovido pelos programas de responsabilidade social vira um óbice à educação, por tornarse uma alternativa a ela. É preciso que as empresas façam as perguntas inevitáveis. Quais são as prioridades da educação no Brasil de hoje? Quais são as prioridades e os calendários da escola para implementá-las? As suas atividades sociais estão contribuindo ou atrapalhando a educação? Infelizmente, há casos onde as respostas não serão muito lisonjeiras para as empresas. Mas isso não precisa acontecer e, se entendi bem, a ação do GIFE, por exemplo, pode ser muito útil para encontrar os bons caminhos.Já passamos a fase heróica e pioneira, quando a mera disposição das empresas para ajudar as escolas era fato a ser automaticamente festejado. Justamente por vivermos em um momento onde tais atividades desabrocharam é que podemos ser um pouco mais críticos, notando que nem tudo o que está sendo feito ajuda tanto. Lembremo-nos, a causa é a da educação, não a de fazer alguma coisa na escola ou com os alunos.Claudio de Moura e Castro é Presidente do Conselho Consultivo da Faculdade