quinta-feira, 12 de julho de 2007

Educar para sobreviver

Educar para sobreviver-Escolas despertam para a importância da educação ambiental, mas ainda se ressentem da carência de metodologias integradas ao cotidiano- Carolina Cassiano-Já se passaram quinze anos desde as discussões da Conferência dasNações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, e dez anos doProtocolode Kyoto, quando mais de 160 países se comprometeram a lutar contra o aquecimento global. Enquanto o debate teórico amadurecia e culminava no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas - com a conclusão de que a redução da emissão de gases causadores do efeito estufa é capaz de desacelerar o aquecimento global -, os termômetros das cidades mostravam a palpável realidade das alterações climáticas, percebida pela população. Pesquisa recente do Ibope mostra que, mesmo entre aqueles com formação até o ensino médio e com renda de até um salário mínimo, 80% se dizem muito preocupados com a questão ambiental.Acompanhando a tendência mundial, as escolas assumiram a responsabilidade de introduzir as questões relativas ao meio ambiente em seu dia-a-dia,como intuito de formar cidadãos conscientes quanto ao impacto de suaspráticas. Cada uma com fórmulas e métodos variados, com resultados que não podemseravaliados com nota, muito menos no curto prazo. O desafio é sair dodiscursovazio e criar novos hábitos entre os jovens.Segundo o Censo Escolar 2004, quase todas as escolas brasileiras deensino fundamental incluem educação ambiental em sua grade curricular. O saltoérecente. Em 2001, 115 mil escolas, ou 61,2% do universo escolar,declaravamdedicar-se ao tema. Em 2004, eram 152 mil escolas - 94% do total.Nesses três anos, o percentual de escolas ligadas ao tema na região Nortepassoude 54% para 93%; no Sul e Sudeste atingiu 97%.O problema é como fazem isso. O Censo mostra que 66% das escolasdeclararamdesenvolver ações de educação ambiental por meio de projetos; 38%utilizam a modalidade inserção no projeto político pedagógico e 34% o meioambientecomo tema transversal às outras disciplinas. O ponto de partida de cadaumaestá intimamente relacionado à iniciativa de um ou mais docentes em 59%dos casos. Os dados fazem crer que a educação ambiental ainda não estásistematizadacomo parte constante do programa da maioria das escolas. Ainda assim,háboas iniciativas em curso.TransversalidadeFelipe Pacheco, estudante do 2o ano do ensino médio do ColégioArquidiocesano, em São Paulo, achava uma bobagem reciclar. "Eu pensava 'ninguém faz,porque vou fazer?'", diz. Na 8a série, o professor de ciências propôs umtrabalhoem que ele deveria verificar a quantidade de lixo que se produzia pormês em sua casa. "Isso me abriu os olhos", diz.Na maioria das escolas, a educação ambiental é orientada pelosprofessoresde ciências ou biologia, pela afinidade natural com o tema - nem semprecoma obrigação sistemática de sensibilizar alunos, mas com o objetivo deinformar ou fazer refletir sobre as conseqüências da atuação das fábricas, datecnologia,do consumismo excessivo e sobre a preservação do ar. Para formar umprojetode educação ambiental eficiente, no entanto, muitas escolas perceberamque precisam ir além da teoria em uma única disciplina. Por essa razão,muitasincorporaram nos currículos projetos transversais que mobilizam todasasmatérias.Assim fez o Arquidiocesano que, desde 2004, mantém o projeto SaberCuidar, que incentiva a atenção ao meio ambiente, com as pessoas e com asrelações.Motivado pela assembléia internacional que culminou na criação daAgenda21, o projeto tem encontros de formação com professores, alunos efuncionários, para que todos discutam sobre o futuro do planeta e aprendam novoshábitos,como economia de papel e redução do uso de copinhos plásticos. Também há medidas práticas, como a coleta de 10 mil garrafas pet juntoaos alunos para fazer a ornamentação de Natal ou a coleta de pilhas ebateriaspara que não sejam descartadas com o lixo comum. Essa coerência entrediscursoe prática é detectada pelos alunos, que aprendem com o exemplo."Percebo que o Arqui aplica os conceitos que ensina. Isso diminui o risco de osensinamentosficarem apenas no blablablá", diz Felipe.Outra abordagem foi escolhida pelo Colégio Rio Branco, em São Paulo,quecriou uma organização de combate ao desperdício, incentivo à reciclageme busca da qualidade de vida. A escola elaborou um trabalho conjunto comaEletropaulo, que pedia aos alunos que levassem as contas de luz àescolapara mapear os gastos e propor a redução. "Usamos esse mote para fazerestudos em matemática, geografia, história, ciências e outras matérias, com oobjetivode levantar quais novas atitudes poderiam mudar e por que isso seriapositivopara o mundo", diz Rosângela Guedes, supervisora pedagógica. O RioBranco também passou a desligar as luzes do corredor em horário de almoço edassalas nos intervalos de aula. Surtiu efeito. "Reduzimos em 80 kwh o consumo na minha casa", contaTitoBicalho da Fonseca, dez anos, estudante da 4ª série. "Ninguém maisdeixa a TV ligada quando sai da sala. Também aprendi a não poluir o meioambientee a andar mais de transporte público."Segundo especialistas, ao trabalhar a educação ambiental, a escola deveterclaro o intuito de mudar hábitos dos estudantes, professores efuncionários. Afinal, educação ambiental significa ensinar a idéia de desenvolvimentosustentável,segundo a qual os crescimentos econômico, social e ambiental estãoassociadose não podem comprometer o futuro um do outro. "A educação ambientalestá ligada a um conceito ético que quer criar uma cultura não-predatória,comestilos de vida diferentes dos nossos, que hoje caminham para um mundoinsustentável",diz Célio da Cunha, porta-voz da Unesco no Brasil para a educação. Daí a importância de o tema passar por todas as disciplinas e por todaainstituição. "É um assunto transversal, assim como ética e cidadania,daquelesque só se ensina se toda a escola estiver sintonizada e transpirando omesmo modo de pensar e agir", conceitua Rachel Trabjer, antropóloga,lingüistae coordenadora de Educação Ambiental do Ministério da Educação (MEC).Mas não são todos que afinam bem teoria e prática. O Censo Escolar 2004mostra, por exemplo, que apenas 49% das escolas brasileiras que têm educaçãoambientalutilizavam a coleta periódica como destino final do lixo; 41% delasdeclararamqueimar o lixo e apenas 5% o reutilizavam ou reciclavam. Estudos do meioLucas Couto, da 3ª série do Colégio Elvira Brandão, ao lado dacoordenadoraMaria Lúcia Severo: atividade na escola estimulou-o a propor reciclagemnoprédio onde mora Os estudos do meio estão entre os projetos de maior efetividade quandoo tema é meio ambiente. Levar os alunos a um trabalho de campo, emlugarescujo ecossistema se destaca - seja pela preservação exemplar ou pelaimpactantedevastação local - surte efeito. Por meio do contato com esses cenáriose seus moradores, as instituições sensibilizam os jovens para refletir erealizarsínteses coletivas e trabalhos.Na lista dos principais destinos selecionados pelas escolas paulistanasestãoCananéia, Baixada Santista, Ilha do Cardoso, Paraibuna, Volta Redonda,Vale do Ribeira, Angra dos Reis e Pantanal. No Colégio Santa Cruz, por exemplo, esse tipo de projeto começa noensinofundamental e se estende até o primeiro ano do ensino médio, quando,duranteum semestre, o professor de biologia ministra a disciplina "meioambiente". O trabalho prevê que os alunos escolham um destino (Ilha Grande, ValedoRibeira, Paraty, Pico de Itatiaia ou Amazônia) e passem dez diasvisitandoos lugares e conhecendo as comunidades de perto. "Eles dormem em redes,interagem com as pessoas, comem o que elas comem. O projeto é obrigatório e oobjetivopedagógico é sensibilizar o aluno", diz Fabio Aidar, vice-diretor docolégiopaulistano. Isabela Campos Deveza, de 16 anos, cursa o 2º ano do ensino médio noSanta Cruz. Viajou ano passado à Amazônia com a escola. Na bagagem de volta,trouxeuma nova visão de mundo. "Nossa demanda de consumo aqui chega àAmazôniaem forma de devastação predatória dos recursos naturais. Enxergandoisso, muda a sua maneira de consumir", reflete. A estudante diz que outros valores foram também resgatados com aexperiência."A comunidade abriu as portas para nós e dividia tudo o que tinhaconosco.Isso me fez valorizar esse tipo de carinho e de relação humana", conta. Atividades complementaresPara promover a discussão sobre o impacto das mudanças climáticas noBrasile no mundo, o Colégio São Luís colocou cerca de 40 alunos do ensinomédioem contato, via videoconferência, com outros 60 estudantes do ColégioBoa Viagem, de Recife, e do colégio The Grey Coat School, de Londres. Felipe Pacheco, aluno do Arquidiocesano: projeto que o obrigou averificara quantidade de lixo caseiro abriu seus olhos para a reciclagem Para esse evento, preparou aulas extras, fez reuniões e propôs umapesquisa de campo, que os alunos fizeram com familiares e amigos, para saber oqueas pessoas sabiam sobre o fenômeno do aquecimento global, quais medidasdeveriamser tomadas, quais aceitariam encampar. No encontro, discutiram arealidade de cada cidade e, ao final, os estudantes concluíram ser necessário ousode meios de transporte coletivos como o metrô, de combustíveisalternativoscomo o biodiesel, além do rodízio de veículos. Rodrigo Dornelles, do 3º ano, participou da videoconferência. Para ele,apesar de o tema ser sempre debatido na imprensa, o processo formador competeàescola. "Confiamos nos nossos professores mais do que na mídia, porissoa escola é tão importante para nos orientar, sensibilizar e sermos maiscríticos. O debate ético e o convite à reflexão quem faz é a escola", diz.Apesar de trabalhar com a transversalidade, o Colégio Oswald Caravelas,tambémde São Paulo, optou por criar uma disciplina que aborde exclusivamenteaspectos do meio ambiente. No ensino médio, a escola oferece aos alunos opçõesparauma matéria eletiva a cada ano. Entre as do 2º ano, está a"biodiversidade".No 1o semestre, além de discussões aprofundadas, o curso aborda ética eajuda cada aluno a escolher um tema sobre o qual deverá escrever umamonografia,em moldes acadêmicos. "A escola ensina metodologia de pesquisa e cobraenvolvimentodos alunos que, com isso, adquirem discurso político, postura crítica esensibilizada", diz Adélia Pasta, diretora do ensino médio.Com criançasNa educação infantil, há escolas bastante empenhadas em proportrabalhosque desenvolvam hábitos responsáveis desde cedo, o que parece maissimplesdo que consertar comportamentos viciados. As iniciativas são bemdiversas. Na Escola Viva, cujo projeto nasceu em 1991, há algumas frentes deação:um trabalho educativo com professores e funcionários para desenvolvervaloresligados à preservação do meio ambiente; um coletor de lixo reciclávelinstalado na porta da escola para a comunidade; e uma central de sucata, querecolheobjetos reaproveitáveis para utilizar no ateliê da escola, entreoutros.O plano pedagógico prevê o uso do quintal da escola, projetado com ointuito de aproximar crianças urbanas da natureza - coelhos, galinhas,marrecos,jabutis, borboletas, tatus, passarinhos e plantas. "O convívio combichose plantas ajuda a provocar conflitos, a exercitar valores em situaçõesconcretas, a discutir a relação com o outro e a respeitar a vida", diz SôniaMarinaMuhringer, coordenadora de meio ambiente da escola e co-autora do livroinfantilVerde e a Vida (Editora Ática).Rachel Trabjer, coordenadora de Educação Ambiental do MEC: ações paraoferecer ferramentas e conhecimento a professores e escolas públicas Segundo a educadora, os pequenos absorvem esse conhecimento, aderem àspráticasadequadas e logo viram fiscais dos adultos. "Eles levam para fora daescola, impedem os pais de desperdiçar, não matam insetos, ensinam o jardineiroacortar certo a grama e ficam incomodados com a postura errada", diz. "Oadultoresiste mais a abrir mão de hábitos. Nada melhor do que uma criançapara fazê-lo rever sua postura", diz Sônia.Inspirado na Assembléia Geral das Nações Unidas, que proclamou aDeclaraçãodo Milênio e os "8 Jeitos de Mudar o Mundo", o Colégio Guilherme DumontVillaresresolver criar, como estratégia pedagógica, um personagem infantil parainteragircom as crianças da educação infantil, o Dumonzinho. Por meio dehistórias,criadas em classe, o personagem aborda temas como empreendedorismo,erradicação da fome, saúde, qualidade de vida e meio ambiente. Todo ano, umahistóriaé publicada em livro.Este ano, a sustentabilidade ambiental é o foco do personagem. Em 2006,foio processo de desertificação. "A meninada de até 10 anos é a maisconsciente. É a geração dos tsunamis, da mudança de temperatura, do rio Amazonasseco,de Nova Orleans alagada. Estão com medo dessa realidade e precisamoslidarcom isso, em linguagem infantil, para buscar a preservação da vida",diz a diretora, Eliana Aun.Também na linha de materiais pedagógicos lúdicos vai a escola Trilha daCriança,que este ano desenvolve um álbum de figurinhas com o tema "Parapreservaro meio ambiente, basta plantar a semente". Cada evento feito na escolagera um cromo. "Trouxemos uma pessoa que trabalha com coleta seletiva paraumaconversa com as crianças. A foto virou uma figurinha", explica AnaMariaPereira Teixeira, coordenadora pedagógica. Todos os alunos recebem oálbum, que contém explicações sobre os temas ilustrados, e também os cromos,quechegam em pacotinhos, alguns propositalmente repetidos, para que osalunosos troquem. O álbum, de 125 imagens, ficará completo até o fim do ano. A escola, que tem como lema o cuidado consigo, com o outro e com omundo,tem 19 compromissos, entre eles o combate ao desperdício e uso racionaldaágua. "Todo mês, a garotada de quatro, cinco anos faz reuniões paradiscutir questões ambientais e o reaproveitamento de alimentos", diz Ana Maria.No Colégio Elvira Brandão, as crianças são levadas a fazer experimentosparacomparar a qualidade da água da torneira com a água de um rio, porexemplo. A turma do maternal foi ao laboratório observar quais materiaisboiariame quais afundariam, se jogados na água. "Aprenderam que não se podejogarnada no rio para não impedir a luz de entrar e para não encher o fundode lixo", conta a professora do laboratório de ciências, Lídia Yamana. O trabalho pedagógico da escola levou um dos alunos a propor umacampanhade reciclagem no prédio. Com ajuda da mãe, conversou com a síndica eagora está elaborando cartazes para o prédio todo, além de querer levar oslatõesde coleta seletiva para o edifício. "Tirar o lixo do meio ambiente éumaforma de melhorar o mundo e evitar que aumente o efeito estufa naatmosfera. Aprendi isso este ano na escola", diz Lucas Couto, nove anos, estudanteda3ª série. Lucas também quer ensinar as crianças do prédio a reciclarpapel."Fica bonito e dá para usar para escrever, desenhar, fazer jornalzinhoe origami", diz.Rede públicaEm nível nacional, o Brasil hoje tem uma política de educaçãoambiental,colocada em prática por meio de parcerias entre o Ministério daEducaçãoe o Ministério do Meio Ambiente. O intuito é prover ferramentas econhecimento a professores e escolas da rede pública para que articulem o debatesobrea educação ambiental na instituição e na comunidade. Entre os projetos,estáa Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, da qualparticiparam cerca de 20 mil escolas, que dá subsídios aos professores para adiscussãode problemas locais e mundiais com alunos, professores e comunidade.Também há um projeto de formação de professores, pelo qual já passaramquase 30 mil docentes, em seminários de três dias. "A estratégia é aconstruçãodo conhecimento dialógico, não reprodutor, mas produtor de diferentesformasde agir e pensar", diz Rachel Trabjer, do MEC.A crítica da antropóloga é direcionada aos projetos isolados daproposta pedagógica. "As escolas acabam muitas vezes relacionando educaçãoambientala uma coisa pontual, como plantar uma árvore, e não percebem que devesertratada como uma visão de mundo, elaborada a partir do meio ambiente",alerta. Ela diz que isso se dá por falta de preparo dos professores."Infelizmente,isso ainda não é disciplina das licenciaturas, por isso o que fazemmuitasvezes é voltado para o imediato."Autor de diversas publicações sobre o meio ambiente para usopedagógico, o professor Paulo Robson de Souza, da Universidade Federal de MatoGrossodo Sul, concorda com Rachel. "As licenciaturas deveriam trabalhar oassuntoe a universidade deve esvaziar as gavetas com o conhecimento sobre meioambiente, para que venha a público em linguagem acessível", diz o biólogo, queacabade lançar a coleção Valorizando a Biodiversidade no Ensino de Botânica,queorienta como explorar a flora do Pantanal de forma didática.

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