segunda-feira, 11 de junho de 2007

O que precisa para combater a corrupção

Domingo, 10 de Junho de 2007BRASIL CORRUPÇÃO O que o Brasil precisa fazer para combater a corrupçãoNos últimos anos, o país avançou bastante na identificação dos desvios de dinheiro público. Mas ainda há muito a fazer. Nesta reportagem, ÉPOCA apresenta idéias que deram certo em outros países, como reduzir cargos preenchidos por indicação política, mudar o modelo do Orçamento federal, tornar o governo mais transparente e – claro – punir os corruptosPor Leandro Loyola, Murilo Ramos e Marcela Buscato O Brasil avançou muito no combate à corrupção nos últimos anos. Esquemas de desvio de dinheiro público, até há pouco tempo considerados um mal inerente à burocracia estatal, passaram a ser investigados, denunciados e desbaratados, sem poupar empresários, juízes ou políticos. Abriu-se espaço para operações da Polícia Federal que se diferenciam na esquisitice de seus nomes (Navalha, Sanguessugas, Vampiros), mas têm em comum o mesmo propósito de limpeza no funcionamento da República. Ainda há muito a fazer. Em um tradicional levantamento realizado pela Transparência Internacional, o Brasil está em um incômodo 70o lugar no ranking dos 163 países mais corruptos do mundo. De acordo com o economista Marcos Fernandes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo, o país perde cerca de R$ 20 bilhões por ano com o desvio de dinheiro público. Tão importante quanto conhecer o tamanho do prejuízo é saber onde se situa, como se produz e como pode ser combatida a corrupção. Esse é um problema que existe em todo o mundo. A diferença está no esforço com que cada país se dedica a contê-lo. Para contribuir com esse esforço, ÉPOCA apresenta, nesta reportagem, cinco práticas chanceladas por nove especialistas, com base em experiências que deram certo em outros países. 1) REDUZIR AS NOMEAÇÕES POLÍTICAS troca de cargos na máquina federal por apoio de deputados e senadores é uma tradição na história do Brasil. Em vez de diminuir, como deveria acontecer, ela está aumentando. Na semana passada, o governo anunciou a criação de uma vice-presidência no Banco do Brasil para acomodar o PMDB. E estuda fazer o mesmo na Caixa Econômica Federal. É por isso que só na administração federal existem hoje cerca de 24 mil vagas que podem ser preenchidas por indicação de políticos. Para ganhar uma dessas vagas não é preciso comprovar competência ou conhecimento técnico. O candidato precisa apenas de um padrinho político com prestígio no governo. Segundo os analistas, esse quadro é perigoso. “É óbvio que essas nomeações são uma porta para a corrupção”, diz o cientista político Otaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. “O compromisso de quem tem o cargo é com quem indicou, e não com a população.”Por que todo político quer ter apadrinhados no governo? “Dependendo da posição, ela dá acesso a políticas públicas e recursos capazes de gerar votos”, afirma Marco Antônio Carvalho Teixeira, da FGV-SP. s É por isso que as operações da Polícia Federal (PF) têm flagrado tanta gente empregada no serviço público cuidando de interesses privados – de empresas ou do padrinho político. Foi esse o papel, segundo a PF, de Maria da Penha Lino, presa no ano passado na Operação Sanguesssuga. De acordo com a investigação, Maria da Penha fazia lobby na Câmara dos Deputados em nome de uma empresa que vendia ambulâncias para prefeituras, a Planam. Em 2005, foi nomeada para o cargo de assessora especial do então ministro da Saúde, Saraiva Felipe (PMDB-MG). Sua indicação é atribuída à bancada do PMDB na Câmara. Segundo a polícia, no ministério Maria da Penha acelerava a liberação de receita para prefeituras que compravam ambulâncias da Planam, onde ela trabalhava antes. Os veículos, segundo as investigações, eram comprados a preços superfaturados – um negócio que movimentou R$ 110 milhões. Além da redução drástica no número de cargos preenchidos por indicação política, o economista Geoffrey Shepherd, consultor do Banco Mundial, sugere uma triagem, com a criação de um comitê para decidir quem pode e quem não deve ocupar cargo de confiança no governo. No Congresso, há um projeto do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) para criar regras para a contratação de comissionados e limitá-la. Os países desenvolvidos fazem isso há muito tempo. Nos Estados Unidos, os cargos à disposição dos políticos começaram a desaparecer em 1883, com o Civil Service Act, a primeira lei de profissionalização da administração pública americana. Até ali, os cargos no governo eram repartidos entre integrantes do partido vencedor. Segundo historiadores, grassava a corrupção. Várias reformas foram feitas para aperfeiçoar o sistema, a última em 1978, no governo de Jimmy Carter. Outros países desenvolvidos passaram por reformas semelhantes – há mais de um século (leia o quadro abaixo). 2) OBRIGAR A CUMPRIR O ORÇAMENTO A barganha política com cargos no governo se repete no Orçamento da União. Pela legislação brasileira, cerca de 91% do Orçamento está engessado por gastos obrigatórios em saúde e em educação, na folha de pagamentos dos servidores e na Previdência Social. A disputa, portanto, está concentrada nos 9% restantes, cerca de R$ 135 bilhões neste ano. O uso dessa receita fica a critério do governo. É aí que começa a confusão. Deputados e senadores podem pedir, cada um, a liberação de até R$ 6 milhões por ano para projetos de seu interesse. Esse pedido de dinheiro é conhecido pelo nome de emenda orçamentária. O poder das emendas faz com que parlamentares sejam procurados por empresários e lobistas interessados na liberação de dinheiro. “Esses parlamentares se transformam em verdadeiros corretores de empresários dentro do Orçamento”, diz Fernando Abrucio, cientista político da FGV e colunista de ÉPOCA. Na Operação Navalha, a PF descobriu que a empreiteira Gautama, da Bahia, recebeu cerca de R$ 115 milhões do Orçamento nos últimos nove anos, mas não entregava o serviço. Diversas obras ficaram inacabadas (leia alguns exemplos à pág. 40). O parlamentar pede, mas o governo não é obrigado a atendê-lo. Por isso, o Executivo usa a liberação desse dinheiro como moeda de troca para conseguir apoio no Congresso. “O Brasil tem um presidencialismo absolutista”, afirma o filósofo Roberto Romano, professor de Ética da Universidade de Campinas (Unicamp). O absolutismo é um fenômeno político que se espalhou pela Europa a partir do século XVI e começou a ruir no século XVIII. No sistema absolutista, o rei governava sozinho, com poder total sobre o Estado. De acordo com Romano, com a chave do cofre, o Executivo brasileiro também coloca o Legislativo a seus pés. “Um deputado não se reelege se não tiver verbas para sua base eleitoral. Para atingir esse objetivo, ele esquece partido, ideologia e adere ao governo.”Como transformar o Orçamento da União numa lei mais transparente e racional? A melhor solução, dizem os especialistas no tema, é olhar para a experiência de países mais maduros como EUA, Reino Unido e Alemanha. Nesses países, o governo federal é obrigado a gastar exatamente como determina o projeto longamente discutido e aprovado no Congresso. “Se o Orçamento fosse impositivo, haveria menos corrupção”, diz o cientista político Sérgio Abranches. Nos EUA, o Orçamento é discutido o ano todo em comissões, com audiências públicas e consultas a especialistas. A vigilância é feita por uma espécie de agência reguladora. O Congresso elabora a peça e a envia ao presidente, que é obrigado a cumprir exatamente o que foi aprovado no Congresso. Nada fica a critério do governo, como no Brasil. Na Inglaterra, ficou famosa a caixa vermelha na qual todo ano o ministro das Finanças leva o Orçamento para ser discutido no Parlamento. Depois, o governo executa os gastos previstos e presta contas. Na Alemanha, quando partidos formam alianças para concorrer nas eleições, a proposta orçamentária é um dos primeiros temas em discussão. Afinal, é por meio dela que a coalizão vai apresentar ao eleitorado sua proposta de política pública. “Com o Orçamento do jeito atual, com verbas carimbadas, contingenciamento e troca de emendas por apoio, no Brasil não se faz política pública”, diz Sérgio Abranches. “É por isso – e não por aproximação ideológica – que os governos recentes são todos iguais.” Dos cerca de 24 mil cargos de confiança na máquina pública, 21.440 estão na Presidência da República, em ministérios e autarquias. Os outros estão nas estatais Presidência da República 2.792 Indústria e Comércio Exterior 554 Minas e Energia 463 Agricultura 897 Desenvolvimento Social383 Planejamento 1.556 Cidades 203 Educação 924 Previdência Social 1.345 Ciência e Tecnologia 902 Esportes 203 Relações Exteriores 382 Comunicações 273 Fazenda 2.302 Saúde 1.753 Cultura 600 Integração Nacional 474 Trabalho e Emprego 505 Defesa 655 Justiça 1.470 Transportes 599 Desenvolvimento Agrário 1.016 Meio Ambiente 947 Turismo 242 Fonte: Ministério do Planejamento 3) ADOTAR TRANSPARÊNCIA DE CONTAS Um dos caminhos mais eficientes para inibir a corrupção é tornar as ações do governo mais transparentes. A falta de informações, a complicação e os dados escondidos são aliados da corrupção. Apesar de alguma melhora nos últimos anos, é essa a situação atual. “O Brasil tem uma democracia capenga”, afirma o cientista político Sérgio Abranches. “O país não mostra ao cidadão o que o governo sustentado por ele está fazendo. O governo fala apenas por propaganda.” Hoje, o único mecanismo existente para acompanhar parte das contas federais está fora do alcance do cidadão comum. É o Siafi, o sistema federal de acompanhamento das despesas da União. Mas só têm acesso a ele os parlamentares e um grupo de funcionários públicos autorizados, portadores de uma senha. s Outro obstáculo é entender as informações. Apenas especialistas conseguem desvendar termos técnicos e os caminhos do Siafi. A solução, novamente, é imitar o que já é feito lá fora: publicar receitas e despesas na internet, facilitar o acesso a essas informações e a sua compreensão. Existe na Câmara dos Deputados, pronto para ser votado, um projeto que obriga a União, Estados e municípios do país a colocar informações detalhadas de todas as suas receitas e despesas em tempo real na internet. “Isso favoreceria o controle do Orçamento”, diz Abrucio. É assim que funciona no Canadá, considerado o país mais transparente do mundo. Lá, qualquer pessoa tem acesso a dados completos e simplificados em sites do governo. Com poucos cliques, qualquer um pode saber quanto ganha qualquer funcionário. Nos EUA, a cada mandato presidencial é feita uma lista pública com todos os cargos de confiança e os nomes de seus ocupantes. O Plum Book (Livro Ameixa) reúne informações sobre algumas das posições mais importantes (e bem pagas) da máquina governamental americana. Tudo aberto e fácil.4) MELHORAR O CONTROLE Na teoria, o Brasil possui uma estrutura até bem servida para atuar no combate à corrupção: temos o Tribunal de Contas da União (TCU), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público e a Polícia Federal. Mas o trabalho ainda é desorganizado, pouco ágil e muitas vezes sabotado pela concorrência entre os órgãos. Polícia Federal e Ministério Público travam disputas agressivas pelo comando de investigações. Os dois têm divergências com a Justiça. A CGU, o TCU e o Coaf têm a missão de descobrir irregularidades, mas mantêm pouca ligação com a PF e com o Ministério Público. Por isso, demoram a repassar informações capazes de contribuir com as investigações. “Qual a ligação do Coaf com a PF? É praticamente inexistente”, diz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional Antidrogas e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone. De acordo com ele, a solução para melhorar o controle é uma reforma radical. “É preciso mudar todo o sistema, começar de novo. Nosso sistema é imperfeito e abre espaço para a impunidade.” Mudar significa fazer um novo arranjo institucional nos órgãos. A PF, hoje um braço do Poder Executivo, e o Ministério Público deveriam ser ligados ao Judiciário. Esse modelo funciona, por exemplo, na Itália, e garante maior eficiência. Investigadores e julgadores trabalham juntos e definem com maior precisão o que é preciso buscar para provar irregularidades, prender acusados e demolir organizações criminosas. “Haveria mais sinergia”, afirma Maierovitch. A Polícia Federal, que acumula sucessos em grandes operações, poderia melhorar. “A PF deveria ser dividida por especialidades”, diz Maierovitch. Segundo ele, cada parte trabalharia com uma área. Haveria uma polícia especializada em crimes financeiros, para unir-se ao Coaf no combate à lavagem de dinheiro. Outra atuaria nas fronteiras. Outra no combate ao tráfico de drogas. 5) ACABAR COM A IMPUNIDADE Em 1992, na Itália, Mario Chiesa, diretor de um hospital público, foi preso em flagrante quando recebia propina de um fornecedor. Membro do Partido Socialista, Chiesa era um político local, mas o que ele disse foi fundamental para a Justiça começar a Operação Mãos Limpas, uma das maiores devassas já feitas no aparato político de um país. Em 15 anos de atividade, a operação prendeu cerca de 1.200 pessoas. O Partido Socialista e a Democracia Cristã, que governaram a Itália por décadas, desmoronaram e novos partidos surgiram. Um ex-primeiro-ministro, Bettino Craxi, fugiu para a Tunísia para não ser preso. O obstáculo para o Brasil imitar a Itália está principalmente na incapacidade de punir os corruptos. A lei deve dar direito de defesa a todos. Mas, segundo os especialistas, a legislação brasileira oferece uma infinidade de recursos para atrasar os processos. “A Operação Mãos Limpas não poderia ser feita no Brasil”, diz Walter Maierovitch. “Ela seria toda ilegal.” O maior dos obstáculos é a figura jurídica do foro privilegiado. Graças a ela, parlamentares e ocupantes de cargos no Poder Executivo só podem ser presos com a autorização do Supremo Tribunal Federal. Seus processos também correm no STF, onde o trâmite é mais lento. “O Brasil não é uma democracia verdadeira: o foro privilegiado cria cidadãos de classes diferentes”, diz o filósofo Roberto Romano. “Se as pessoas não são iguais perante a lei, não há estado democrático.” “É preciso rediscutir o foro porque ele é um dos aspectos que estimulam a impunidade”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo. Na Itália, como não há recurso semelhante, o Ministério Público investiga qualquer um e, se houver provas, manda prender. Foi por saber desse procedimento que o ex-ministro Craxi fugiu da Operação Mãos Limpas: ele sabia que não escaparia. Pode parecer que a recente profusão de escândalos seja um sinal de que a corrupção aumentou. É uma falsa impressão. Primeiro, os escândalos só estão surgindo nessa quantidade porque há uma disposição maior, hoje, em investigar e combater a corrupção. Em segundo lugar, o país atingiu um nível de estabilidade que o torna menos vulnerável aos sobressaltos na política. No passado recente, qualquer abalo se refletia na economia. O exemplo mais radical foi na campanha presidencial de 2002, quando o favoritismo do PT gerou incertezas quanto à continuidade da política econômica. O mercado financeiro entrou em uma fase de pessimismo, o dólar chegou perto dos R$ 4 e a bolsa caiu 17%. A inflação subiu e com ela a taxa de juros. Os escândalos políticos infelizmente não acabaram, mas encolheram para uma posição de insignificância em relação à economia. O fato de o governo Lula ter mantido a política econômica herdada do governo Fernando Henrique varreu as idéias de loucuras nesse campo. Por isso, por mais que as crises ameacem o governo – como no caso do mensalão –, a confiança nas instituições não é abalada. Na semana passada, mesmo com a revelação de que a Polícia Federal investiga o irmão do presidente Lula, Genival Inácio da Silva, a economia permanecia tranqüila, com a bolsa operando acima dos 50 mil pontos, o dólar baixo, na casa de R$ 1,95, e os juros em queda. A economia está assim porque o bom senso venceu. É o que falta acontecer na política. Aqui tem mais QI No Brasil, o critério de Quem Indicou é usado em milhares de cargos. Nos países desenvolvidos, a prática foi reduzida há muito tempo Países Nº de indicados Critério Hitórico Brasil 24.000* Há muito espaço para indicações políticas na máquina pública. Os escolhidos não passam por nenhum crivo técnico O serviço público passou por várias reformas – a primeira feita por Getúlio Vargas nos anos 1930 e a última no governo Lula. Nenhuma acabou com os cargos ocupados na base da indicação política EUA 4.500 Há pouco espaço para indicações políticas na administração pública. Mesmo nesses poucos casos, os indicados têm de comprovar qualificação técnica Era costume lotear cargos, até que o presidente James Garfield foi assassinado, em 1881, por um cabo eleitoral descontente. Uma reforma administrativa dois anos depois começou a profissionalizar a gestão pública França 500 A França reserva poucos cargos para indicação política. Os funcionários de carreira vêm, por concurso, da Escola Nacional de Administração (ENA) As bases para a formação de um serviço público profissional francês foram lançadas pelo imperador Napoleão Bonaparte a partir da Constituição de 1791. A ENA foi criada em 1945 Inglaterra 300 O espaço para indicados políticos é pequeno. Os nomeados desse modo permanecem no cargo até o fim do governo ou até a saída do ministro que os nomeou As regras que deram ao serviço público inglês a feição atual começaram a valer a partir de 1854. As reformas acabaram com o clientelismo que dominava a administração antes disso Alemanha 170 Não existem nomeações políticas puras: mesmo os 170 cargos de alto escalão preenchidos por indicação política têm de respeitar critérios técnicos A primeira reforma burocrática ocorreu ainda nos tempos da Prússia, no fim do século XVIII. A tradição de uma burocracia estável e forte resistiu no processo de unificação da Alemanha * Estimativa da ONG Transparência Brasil Fontes: Ministério da Casa Civil; Construção do Estado e Administração Pública: uma Análise Comparativa, de Luiz Carlos Bresser Pereira, FGV-Eaesp --------------------------------------------------------------Com os cumprimentos de Humberto Maia(81) 3269-6569 3441-3549 9292-2209 52051–270 Rua Abel de Sá Bezerra Cavalcanti, 85 / 602 Parnamirim – Recife – PE (81) 3269-6569 3441-3549 9292-2209 hmaia@agenciademeios.org.br

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